sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Sobre a fala, voz e corpo


Sobre a fala, voz e corpo
Texto organizado pela Fga. Patrícia Maia Tavares a partir do livro  Manual do ator (Stanislaviski)


A fala musical abre-nos infinitas possibilidades de expressar a vida interior em cena. O que podemos expressar através de nosso registro comum de cinco ou seis notas? A fala é música. A pronúncia, em cena, é uma arte tão difícil como o canto. Exige treino e uma técnica que beira a virtuosidade. Quando um ator acrescenta um intenso ornamento sonoro ao conteúdo vivo das palavras, posso entrever, através de uma visão interior, as imagens que foram configuradas por sua própria imaginação criadora. Todo ator deve ter uma pronúncia e dicção excelentes. Ele deve sentir não só as frases e palavras, mas também cada sílaba e letra. Para o ator uma palavra uma palavra não é apenas um som, mas também a evocação de imagens. O trabalho do ator é insinuar, nos outros, as suas visões interiores e expressa-las em palavras.
As palavras e a maneira de dize-las são muito mais reveladoras em cena do que na vida real. Um ator deve conhecer sua própria língua em todos os seus pormenores. As falas, tão repetidas nos ensaios e em inúmeras representações, acabam sendo mecanicamente repetidas. O conteúdo interior do texto se esvai, e tudo o que resta é uma sonoridade mecânica.

O primeiro trabalho a ser feito com a fala é dividi-la em medidas e determinar as pausas. A pausa lógica configura mecanicamente as medidas, frases inteiras do texto, e assim contribui para a inteligibilidade; a pausa psicológica dá vida aos pensamentos. É um silencio eloqüente.
 Ela ajuda também a transmitir o conteúdo subtextual das palavras. Se a ausência da pausa lógica torna a fala ininteligível, sem a pausa psicológica ela não tem vida. Há também um outro tipo de pausa que é suficiente apenas para uma breve inspiração de ar.

Letras, sílabas, palavras: são estas as notas musicais da fala, a partir das quais formam-se compassos, árias, sinfonias inteiras. Não é sem razão que se costuma descrever uma fala harmoniosa como sendo musical. As palavras ditas com ressonância e arrebatamento provocam uma impressão mais profunda. Na fala, como na música, há uma grande diferença entre uma frase pronunciada em semibreves, semínimas ou semicolcheias, ou ainda, quando se lança mão de terças ou quintas. No primeiro caso, o efeito é de calma; no segundo, de nervosismo e agitação.
Muitos atores que descuidam da fala pronunciam as palavras com uma velocidade tão irrefletida e estouvada, sem arremata-las de forma clara e inteligível, que terminam por dizer frases pela metade, quando não inteiramente mutiladas.  Muitos atores carecem de um treino apurado em dois importantes elementos da fala: por um lado, suavidade, ressonância e fluência e, por outro, rapidez, leveza, clareza, vivacidade e na pronúncia das palavras. O ritmo bem delineado da fala facilita a sensibilidade rítmica. Mesmo quando não entendemos o significado das palavras seus sons nos afetam através de seus tempo-ritmos.  O tempo-ritmo adequadamente determinado para umapeça ou papel pode, por si mesmo e intuitivamente (automaticamente, em algumas ocasiões), tomar conta dos sentimentos de um ator, e nele estimular uma sensação verdadeira de estar vivendo o seu papel.
A voz bela, vibrante, expressiva e poderosa é um dos maiores dons de uma natureza voltada para a criação.

Nenhum comentário: